O Retorno à Ferraria
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Giovanni caminhava de volta à cidade, a bolsa de couro agora
cheia com o metal raro pendendo em seu ombro. O peso era significativo, mas o
alívio por ter completado sua missão era maior. O som de suas botas reverberava
contra o chão de pedra do caminho que levava à ferraria de Korin, uma trilha de
pedras irregulares que parecia se alinhar perfeitamente com o ritmo constante
de seus pensamentos.
Ele estava exausto, o corpo ainda dolorido pelo esforço, e o
cheiro familiar e persistente daquele perfume suave ainda o acompanhava, como
uma sombra invisível. A Lavanda, ele pensava. Mesmo depois de todo o esforço
nas montanhas, o aroma não o deixava. Giovanni sempre fora alguém que não se
prendia a detalhes como perfumes ou essências, mas aquele cheiro... aquele
cheiro o seguia, impregnava sua pele, suas roupas, como se a presença de
Kamaria ainda estivesse ao seu lado.
O sol estava começando a descer no horizonte quando ele
avistou a fachada familiar da ferraria de Korin. O som do martelo ecoava pela
rua, como uma canção rítmica de aço e fogo. A cidade ao redor já estava mais
movimentada, com as pessoas se preparando para a noite que chegava. Giovanni
atravessou o portão da ferraria, e a familiar onda de calor o envolveu,
aquecendo seus músculos cansados.
Korin estava de costas para ele, ainda martelando uma peça
de metal. Suas mãos calejadas moviam-se com precisão e força, moldando a
matéria bruta em algo utilizável. Giovanni depositou a bolsa pesada com o metal
sobre o balcão com um ruído metálico e aguardou.
Korin interrompeu o trabalho por um momento, lançando um
olhar por cima do ombro. Um sorriso satisfeito se abriu em seu rosto quando ele
viu Giovanni, mais inteiro do que esperava.
"Vejo que conseguiu", disse o ferreiro,
aproximando-se do balcão para inspecionar o metal. Ele abriu a bolsa, seus
dedos experientes examinando o material com cuidado. "Esse aqui é o
verdadeiro, sem dúvidas. Bem... você sobreviveu, o que significa que valeu a
pena."
Giovanni sorriu, o cansaço se dissipando um pouco diante da
satisfação. "Tive alguns sustos pelo caminho, mas nada que eu não pudesse
resolver. E você, como prometido, me deve uma armadura."
Korin soltou uma risada baixa, pegando o metal raro com
admiração nos olhos. "Claro que sim, garoto. Este material vai me render
uma bela peça. Com isso, não terá problemas com os próximos desafios que vier.
Vai ser uma armadura e tanto."
O Tainniano começou a trabalhar de imediato, mas Giovanni,
observando o movimento concentrado do ferreiro, deixou sua curiosidade falar
mais alto.
"Há algo que venho pensando...", começou Giovanni,
hesitante. Korin continuou a trabalhar, mas ergueu uma sobrancelha, indicando
que estava ouvindo. "Esse perfume, esse cheiro que carrego comigo desde
que acordei... Eu achei que fosse lavanda, mas parece... diferente."
Korin parou o que estava fazendo, virando-se para Giovanni
com um olhar pensativo. Ele enxugou as mãos em um pano antes de responder.
"Ah, então é isso." Korin cruzou os braços, o
sorriso em seu rosto indicando que sabia mais do que estava disposto a revelar
de imediato. "Não é lavanda, garoto. Esse cheiro que você está sentindo é
da Rosa d'Água."
"Rosa d'Água?" Giovanni franziu o cenho, nunca
tendo ouvido falar dessa flor.
"Sim," Korin assentiu. "É uma flor rara,
encontrada nos pântanos e rios mais profundos das terras dos Innisianos. Eles a
usam em rituais e como óleo medicinal. Tem propriedades curativas e calmantes.
Pelo visto, quem cuidou de você sabia o que estava fazendo. É por isso que
ainda sente o perfume. Esse óleo fica na pele por muito tempo, uma espécie de
proteção, sabe? Não é qualquer um que usa isso."
Giovanni ficou em silêncio por um momento, processando a
informação. A imagem de Kamaria se formou em sua mente, como ela cuidou dele em
seu estado mais vulnerável. Ela o havia marcado com aquele cuidado delicado,
sem dizer uma palavra, sem exigir nada em troca. Havia uma beleza silenciosa
nisso, uma conexão sutil, mas profunda.
Korin, percebendo o silêncio de Giovanni, continuou.
"Sabe, posso te arranjar um frasco de óleo da Rosa d'Água, se quiser. Não
é fácil de encontrar, mas conheço gente que traz do sul. Pode ser útil pra você
em batalhas futuras, ajuda a curar ferimentos e aliviar dores. Sem contar que,
pelo que vejo, tem alguém aí na sua mente, não é?" Korin sorriu com um
brilho de astúcia nos olhos.
Giovanni soltou uma risada curta, mas verdadeira dessa vez.
"Você realmente lê as pessoas bem, não é, Korin?"
O ferreiro deu de ombros. "Anos de aventura e ferraria
fazem isso com a gente. Agora vai lá, me dá uns dias e sua armadura estará
pronta. E lembre-se, não esqueça de agradecer à pessoa que te deu essa
proteção. Não é qualquer um que compartilha algo tão raro quanto a Rosa
d'Água."
Giovanni assentiu. "Sim... eu vou lembrar disso."
Ele se afastou, ainda sentindo o perfume suave envolvê-lo, como um eco da
presença de Kamaria, agora mais intenso, mais real. Aquele simples frasco de
óleo que ele levaria consigo seria mais do que uma proteção física. Seria um
lembrete de quem ele é, do que ele busca e da conexão silenciosa que florescia
entre ele e Kamaria.
A noite caía lentamente sobre a cidade, e Giovanni saiu da
ferraria com uma sensação renovada de propósito. Ele sabia que sua jornada
estava apenas começando, mas, com o metal raro e o frasco de óleo da Rosa d'Água
em mãos, ele estava mais preparado do que nunca para o que viesse a seguir.
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