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Caminhando Entre
as Sombras de Innis
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Nos dois primeiros dias da jornada, o
cenário era de uma natureza quase intocada. O céu estava limpo, as nuvens
movendo-se lentamente, e o som suave das águas correndo pelos rios e riachos ao
redor era o único som que ecoava na vastidão da terra sagrada de Innis. A
caminhada dos Innisianos era metódica, sem pressa, como se cada passo fosse
parte de um ritual maior. Giovanni notava que, ao contrário dele, os outros
membros do clã não caminhavam apenas por um terreno — eles pareciam se mover em
sintonia com a terra, como se fizessem parte dela.
Kamária liderava o grupo, movendo-se de
forma fluida e segura. Giovanni observava o modo como ela parava de tempos em
tempos, e, ao fazê-lo, retirava um pequeno frasco de sua veste. O frasco, que
continha água sagrada dos rios de Innis, era usado em pequenas preces. Kamária
molhava os dedos e traçava símbolos no ar, pronunciando palavras antigas em um
idioma que Giovanni mal conseguia entender, mas que parecia reverberar pela
floresta.
O primeiro dia foi marcado pelo ritual
da comunhão com as águas, um dos mais importantes entre os Innisianos. Ao
chegarem a um braço do rio de águas cristalinas, Kamária liderou o grupo em uma
prece silenciosa, ajoelhando-se à margem e mergulhando as mãos na água.
Giovanni, parado a uma distância respeitosa, observou enquanto Kamária
sussurrava palavras para Innis, a deusa da água. Seu olhar estava fixo nas
águas, e, por um momento, parecia que ela se conectava diretamente à deusa.
Cada membro do clã seguiu o mesmo ritual, mergulhando as mãos nas águas e
deixando-as escorrer por seus braços, como uma purificação. Giovanni, sem saber
ao certo o que fazer, imitou os gestos, mas sentia a distância entre ele e o
significado profundo do ato.
Durante a noite, Kamária guiou o grupo
em outro ritual, desta vez relacionado à lua. A luz prateada da lua cheia
banhava a clareira onde eles acamparam. No centro, Kamária acendeu uma pequena
fogueira com ervas sagradas, cujas chamas tremeluzentes lançavam um brilho azul
esverdeado no ar. Ela estendeu os braços para o céu, os olhos fechados, e
começou a cantar em uma língua antiga, sua voz suave ecoando pela floresta
silenciosa. Giovanni observava de longe, fascinado pela intensidade da fé que
emanava dela.
As palavras que Kamária entoava
pareciam carregar um peso ancestral, invocando a presença da deusa Innis. O ar
ao redor dela parecia vibrar com energia, e as flores que os Innisianos
carregavam em suas mãos começaram a brilhar com mais intensidade. Giovanni, com
sua flor de Innis em mãos, olhou para ela e sentiu a distância que o separava
daquele momento. A devoção de Kamária era palpável, como se ela estivesse em
dois mundos ao mesmo tempo: o físico e o espiritual.
No segundo dia, a jornada foi
silenciosa, porém repleta de pequenos rituais pessoais. Os Innisianos pareciam
realizar pequenas oferendas ao longo do caminho, recolhendo pedras ou folhas
caídas, murmurando palavras de gratidão ou pedidos para a deusa. Giovanni
notava que, a cada vez que encontravam um corpo d’água — seja um rio, uma lagoa
ou até um pequeno riacho —, Kamária e os outros membros do clã paravam para uma
breve prece, tocando a superfície da água com as pontas dos dedos, como se
estivessem pedindo bênçãos para continuar.
O ponto alto do segundo dia foi o
ritual das flores, algo que Giovanni ainda não compreendia por completo.
Kamária explicou rapidamente que as flores de Innis, aquelas que todos
carregavam, eram símbolos da conexão entre eles e a deusa, mas também de pureza
e renovação. Ao chegarem a um lago maior, Kamária retirou sua flor e a colocou
sobre a superfície da água, onde ela flutuou delicadamente. Os outros
Innisianos representantes fizeram o mesmo, cada flor assumindo um brilho
prateado enquanto flutuava.
Giovanni, ainda que hesitante, seguiu o
gesto colocando uma rosa d’água no lago. Ele observou sua flor flutuar e se
afastar das margens, juntando-se às outras em um círculo perfeito no meio do
lago. Kamária murmurava preces baixas, guiando o ritual, e Giovanni, mais uma vez,
sentiu a profunda desconexão. Ele não sabia o que aquelas palavras
significavam, mas podia sentir o poder por trás delas. Kamária não era apenas
parte do ritual, ela parecia ser um canal para algo maior, uma ponte viva entre
o mundo físico e o espiritual.
Giovanni olhava para tudo aquilo com um
misto de fascínio e alienação. Ele se ajoelhou também, mas sentia como se fosse
apenas um observador. Kamária parecia tão distante, tão imersa no ritual e no
papel que desempenhava como filha de Innis. Giovanni queria se aproximar dela,
compartilhar esse mundo com ela, mas cada gesto, cada prece, reforçava a
sensação de que ele estava tentando se infiltrar em algo sagrado, algo que não
lhe pertencia.
Esses dois primeiros dias foram um
mergulho profundo no coração da espiritualidade de Kamária, e Giovanni percebeu
que, para compreender verdadeiramente Kamária, teria que entender também a
deusa que ela venerava com tanta devoção.
No terceiro dia de caminhada, a jornada
se tornava cada vez mais introspectiva. O silêncio que cercava o grupo não era
apenas reverente, mas pesado com os sentimentos não ditos que permeavam o ar. A
natureza parecia refletir esse silêncio, como se as árvores e os riachos ao
redor compreendessem a seriedade da missão espiritual em que estavam
envolvidos. Giovanni sentia-se cada vez mais deslocado à medida que o tempo
passava, como se, a cada passo, a distância entre ele e Kamária crescesse um
pouco mais, apesar de fisicamente estarem próximos.
Quando o grupo finalmente parou à beira
de um lago sereno, Giovanni viu ali uma chance. As águas eram cristalinas,
refletindo a luz suave da lua cheia, criando um ambiente mágico, quase etéreo.
Kamária estava ajoelhada à beira do lago, suas mãos mergulhadas suavemente na
água enquanto murmurava preces silenciosas. Sua expressão era serena, mas
intensa, e Giovanni a observava com um misto de admiração e angústia. Para ele,
ela parecia tão distante, tão imersa em um mundo que ele mal podia entender.
Ele sabia que precisava falar com ela, que havia algo dentro
dele que clamava por atenção. Caminhou lentamente até ela, sentindo o peso em
seu peito aumentar a cada passo. A flor que ele segurava suavemente era um
símbolo da jornada espiritual que ele ainda não compreendia por completo. Quando
Giovanni se aproxima de Kamária à beira do rio, ele hesita por um momento, seu
corpo tenso, como se suas pernas resistissem ao movimento. O peso das palavras
que carrega dentro de si parece ancorá-lo no chão, e por mais que sua vontade o
empurre em direção a ela, o medo de ser rejeitado ou incompreendido o impede de
dar o passo final. Ele observa Kamária de lado, como se esperasse um sinal
silencioso de permissão, um gesto sutil que o encorajasse a cruzar o espaço
entre eles.
Kamária,
por sua vez, sente a presença de Giovanni antes mesmo que ele fale. O som de
sua respiração, mais pesada e irregular, a faz perceber que ele está lutando
com algo dentro de si. Ela se vira lentamente, seu olhar encontrando o dele, e
por um breve momento seus olhos dourados revelam uma fragilidade que ela
raramente deixa transparecer. Quando Giovanni estende a mão, hesitante, Kamária
a segura com delicadeza, mas sua mão permanece fria e um pouco rígida. Mesmo
que suas palavras sejam gentis, seu toque revela a verdade: a preocupação, o
medo, e a pressão da responsabilidade a impedem de se entregar completamente
àquele momento de ternura.
Giovanni,
ao sentir a rigidez no toque de Kamária, recua levemente, seus dedos tremendo
de leve enquanto tentam manter o contato. Ele engole em seco, sentindo que,
apesar da proximidade física, há uma barreira invisível entre eles, e essa
barreira não é apenas espiritual, mas emocional. Ele olha para a mão dela,
ainda entrelaçada com a sua, e percebe que o simples ato de segurá-la não é
suficiente para romper a distância que os separa.
— Kamária — ele começou, e sua voz saiu
hesitante. A falta de confiança o traiu, expondo a fragilidade de seus
sentimentos. Ele respirou fundo, tentando reunir coragem para expressar o que
estava sentindo. — Eu... queria entender. Queria estar mais perto de você,
mas...
Antes que ele pudesse completar o
pensamento, Kamária se levantou com a suavidade de uma folha caindo ao chão.
Ela olhou para ele com um olhar misto de ternura e tristeza, como se soubesse
que Giovanni estava tentando, mas que talvez nunca pudesse alcançar o que ele
tanto desejava. O silêncio entre eles era cheio de palavras não ditas, de
emoções que nenhum dos dois sabia como expressar naquele momento. A flor que
Giovanni segurava parecia pesar mais em sua mão agora, um símbolo da distância
espiritual que ele sentia entre eles.
Antes que ele pudesse dizer mais, um
dos membros do clã chamou Kamária para o próximo ritual. A interrupção foi como
um lembrete amargo de que o tempo de Kamária não era inteiramente dela; ela pertencia
a algo maior, a uma missão, a uma fé que consumia sua vida. Ela olhou para
Giovanni uma última vez, um sorriso de desculpas no rosto, e se afastou. A
maneira como ela se movia era graciosa, quase sobrenatural, e Giovanni, por um
momento, sentiu-se como se estivesse assistindo a algo divino, inalcançável.
Ele a observou caminhar em direção ao
grupo, seu corpo banhado pela luz da lua. Os outros Innisianos já haviam
começado o próximo ritual, formando um círculo ao redor da fogueira que acabara
de ser acesa. Kamária, com sua flor de Innis nas mãos, uniu-se a eles sem
hesitar, tornando-se parte de algo maior, algo que Giovanni não podia tocar.
Giovanni suspirou profundamente, o peso
de sua frustração crescendo dentro dele. Ele se sentou à margem do lago,
observando as águas tranquilas à sua frente, mas tudo ao seu redor parecia
agitado. A luz da lua, que antes parecia tão bela e calma, agora era um
lembrete cruel da distância entre ele e Kamária. A flor de Innis que ele ainda
segurava parecia fria em sua mão, e ele a fitava, tentando encontrar nela um
significado que pudesse aproximá-lo de Kamária.
Seus pensamentos estavam em tumulto.
Como poderia competir com algo tão vasto e profundo quanto a fé de Kamária? A
conexão dela com Innis era tão forte, tão enraizada em sua identidade, que
Giovanni começava a duvidar de que algum dia pudesse fazer parte daquele mundo.
Ele desejava isso — desejava estar ao lado dela, compreender sua fé, ser uma
parte da vida dela de maneira completa —, mas o que ele tinha para oferecer?
Sua espada? Sua lealdade? Tudo isso parecia insignificante diante da devoção
que ela demonstrava.
Giovanni fechou os olhos por um
momento, tentando acalmar o turbilhão em sua mente. Ele sabia que Kamária o
amava, de alguma forma, mas havia algo entre eles, algo intangível que ele não
conseguia ultrapassar. Talvez fosse a própria deusa, Innis, que se interpunha
entre eles. Ou talvez fosse o destino de Kamária, um destino que Giovanni não
podia compartilhar.
Quando ele abriu os olhos novamente, a
lua ainda brilhava intensamente sobre o lago, e Kamária estava distante,
envolvida nos cânticos e rituais de seu clã. Giovanni se levantou lentamente, a
flor ainda em sua mão, e se afastou da margem. Ele sabia que não poderia forçar
uma conexão espiritual que não compreendia, mas o desejo de estar ao lado de
Kamária, de fazer parte de sua vida de uma maneira mais profunda, ainda ardia
dentro dele.
Enquanto se afastava, ele olhou uma
última vez para Kamária, vendo-a rodeada pelos outros, as flores de Innis
brilhando em uníssono com as chamas da fogueira. Ela parecia parte de um mundo
que Giovanni não podia alcançar, e isso o atormentava.
Mas, mesmo assim, ele não desistiria.
Ele ficaria, esperaria, e lutaria, mesmo que fosse uma batalha contra algo invisível,
contra as águas profundas da fé e do destino que os separavam.
E, por mais que ele tentasse se
convencer de que ainda havia esperança, a dúvida começava a se infiltrar em seu
coração, como uma sombra que se aproximava lentamente, ameaçando apagar a luz
que ele ainda segurava com tanto esforço. E põe sua flor de lado e, com uma
pedra lisa do rio, começou a afiar a espada.
O som metálico da espada raspando
contra a pedra ecoava pela área próxima à fogueira do acampamento. Giovanni
mantinha um ritmo constante, repetitivo, como uma forma de focar sua mente em
algo que não fosse a crescente sensação de inadequação que o seguia desde o
início da jornada. A tensão com Kamária, a distância que parecia crescer a cada
ritual, pesava mais do que qualquer espada em suas mãos.
Foi nesse momento que ele percebeu a
sombra de Bomani. Sem precisar olhar, Giovanni sentiu a presença imponente do
guerreiro, cuja aura de superioridade sempre carregava um toque de desprezo. O
silêncio que antecedeu as palavras de Bomani foi carregado de hostilidade, como
se ele estivesse saboreando o momento antes de ferir.
— Interessante... — começou Bomani, sua
voz baixa e fria, cortando o ar como uma lâmina. — Você ainda está por aqui?
Não cansa de carregar o peso de ser um forasteiro?
Giovanni parou o movimento da espada
contra a pedra e levantou os olhos lentamente. O olhar de Bomani estava fixo
nele, repleto de desdém, mas Giovanni não respondeu de imediato. Ele sabia que
Bomani estava buscando uma reação, querendo ver até onde podia provocar. Dentro
de si, a raiva já começava a borbulhar, mas Giovanni se forçou a respirar
profundamente, mantendo o controle.
— Não estou aqui para ser um fardo —
respondeu Giovanni, a voz mais firme do que ele se sentia por dentro. — Estou
tentando fazer o que é certo.
Bomani sorriu, uma curva amarga que não
chegou aos olhos.
— O que é certo? — Ele se inclinou mais
perto, sua voz um sussurro venenoso, como se quisesse garantir que apenas
Giovanni ouvisse. — Você nem sabe o que significa estar entre nós. Kamária... —
ele fez uma pausa, o nome dela soando quase como uma provocação — Kamária
deveria ver isso. Ela pertence a este lugar. Você, por outro lado, não passa de
uma distração.
Giovanni sentiu o impacto das palavras.
Cada sílaba foi como uma faca cravada em suas inseguranças mais profundas. Ele
sabia que Bomani estava tentando desestabilizá-lo, e a ideia de não ser digno
aos olhos de Kamária o corroía. O desejo de reagir com raiva queimava em seu
peito, e suas mãos, que ainda seguravam a espada, apertaram-se ao redor do
cabo. Ele podia sentir a tensão em seus músculos, como se seu corpo já
estivesse se preparando para um confronto.
— O futuro de Kamária é uma decisão
dela — respondeu Giovanni, tentando manter a voz firme, apesar do tumulto interno.
Ele fixou o olhar em Bomani, desafiando-o sem levantar a voz.
Por um momento, Bomani ficou em
silêncio. Seus olhos escuros cravaram-se nos de Giovanni, como se estivesse
procurando uma fraqueza, algo que pudesse explorar ainda mais. A tensão entre
os dois era quase palpável, um fio invisível que ameaçava se romper a qualquer
instante. Giovanni sabia que, se cedesse à provocação, estaria exatamente onde
Bomani o queria.
Mas então, como se tivesse encontrado o
que procurava, Bomani deu um passo para trás, o sorriso de escárnio retornando
ao seu rosto.
— Veremos — disse ele, sua voz
carregada de uma certeza que Giovanni não entendia por completo. — Mas
lembre-se, forasteiro, você nunca será capaz de entender o que ela precisa. E
quando ela perceber isso... será tarde demais para você.
Com essas palavras, Bomani se afastou,
suas costas largas desaparecendo nas sombras do acampamento. Giovanni ficou
ali, sozinho, com o som da fogueira crepitando ao fundo e o eco das provocações
de Bomani martelando em sua mente.
Ele olhou para a espada em suas mãos, o
metal refletindo as chamas da fogueira. A batalha que ele estava travando não
era apenas física. Era uma luta interna, contra a sensação de inadequação,
contra a dúvida que Bomani havia plantado com tanta facilidade. Giovanni não
podia negar que o guerreiro havia tocado em um ponto sensível — a ideia de que
Kamária, com toda sua força, fé e conexão com Innis, poderia perceber que ele
nunca faria parte daquele mundo.
Ele respirou fundo, tentando afastar o
peso que o sufocava. "Ela decidirá," repetiu para si mesmo. Kamária
era forte, independente, e capaz de fazer suas próprias escolhas. Mas, ao mesmo
tempo, a voz de Bomani ecoava em sua mente, sombria e venenosa.
Giovanni sabia que, mais cedo ou mais
tarde, teria que enfrentar não apenas Bomani, mas a própria dúvida que crescia
dentro dele.
Reflexões de Kamária
Enquanto Giovanni lidava com suas
inseguranças e as provocações de Bomani, Kamária enfrentava uma batalha interna
ainda mais silenciosa e insidiosa. Sentada à beira do rio naquela noite, os
sons suaves das águas correntes faziam eco ao caos que dominava sua mente. As
estrelas brilhavam acima, salpicando o céu com luzes pontuando a escuridão
vasta, mas, para Kamária, não havia consolo nos céus. O brilho que tantas vezes
lhe trouxera paz parecia distante, quase indiferente.
A água, porém, sempre fora seu refúgio.
O rio diante dela fluía, incansável e sereno, levando consigo tudo o que
encontrava em seu caminho. Ela observou seu próprio reflexo nas águas escuras,
um rosto que, embora familiar, parecia distante, como o de uma estranha. Quem
era agora? A jovem destinada a ser líder de seu clã ou a mulher que desafiara o
destino ao salvar vidas humanas?
Salvar o navio humano... Kamária
recordou o momento com uma mistura de orgulho e amargura. Seu coração não lhe
dera outra escolha naquele dia; os gritos de agonia e os corpos à deriva no mar
não eram algo que ela pudesse ignorar. Ela sentira, profundamente, que Innis
falara com ela naquele momento, instruindo-a a agir. Mas ao fazê-lo, ela
rompêra um vínculo sagrado com seu clã, e sabia que não haveria retorno fácil.
Seu povo reverenciava a Deusa Innis com um zelo profundo, e suas ações eram
vistas por muitos como uma traição ao caminho sagrado. Ela havia escolhido
salvar o que não era seu dever proteger.
Kamária suspirou, o ar frio da noite
trazendo um leve arrepio à sua pele. A brisa carregava o cheiro da floresta e
da terra molhada, misturando-se à água do rio. Era o cheiro de casa, mas havia
algo diferente agora. Tudo parecia distante, como se o mundo ao redor estivesse
se afastando dela.
Giovanni... Ele era como um farol, uma
luz que, de certa forma, a guiava em meio à escuridão de suas dúvidas. Mas ele
também trazia com ele uma incerteza que a corroía. Ela o amava, disso não tinha
dúvida, mas esse amor vinha com um preço. Cada vez que olhava para ele, via o
reflexo de suas escolhas. Ele era o lembrete constante de que ela estava
caminhando entre dois mundos: o dos humanos, a quem ela estendera a mão, e o de
seu clã, que ela sabia estar cada vez mais longe.
Kamária tocou a superfície da água com
a ponta dos dedos, traçando círculos suaves que logo se dissipavam com o fluxo
do rio. As águas eram o domínio de Innis, mas esta noite elas não lhe traziam
as respostas que costumavam trazer. Em vez disso, pareciam refletir sua
confusão. As vozes dos afogados sussurravam nas bordas de sua consciência, como
faziam todas as noites, mas desta vez, Kamária não prestou atenção nelas. Seu
maior tormento não eram os espíritos que a seguiam, mas as incertezas sobre seu
próprio futuro.
Ela olhou para a lua refletida na
superfície do rio, sua luz prateada parecendo alcançar sua alma. "Será que
algum dia poderei ter ambos?", Kamária se perguntava em silêncio. Giovanni
e o clã. A vida que salvei e a vida que deixei para trás.
Seus dedos mergulharam mais
profundamente na água, como se buscassem respostas no próprio fluxo. As
correntes frias a lembravam de sua conexão com a deusa, mas ao mesmo tempo, a
água que tocava não lhe oferecia consolo. Ela sabia que Giovanni não pertencia
àquele mundo — não de verdade. Ele nunca entenderia completamente o que
significava ser uma filha de Innis, com todo o peso que essa responsabilidade
carregava. E, no entanto, ela o queria ao seu lado.
Kamária fechou os olhos por um momento,
tentando sentir a presença de Innis no ar ao redor. Mas o que encontrou foi o
eco da figura de Astar, aquele ser sombrio que agora parecia pairar em seus
pensamentos. Ela o vira mais cedo, à margem oposta do rio, observando-a. Sua
presença havia sido como uma sombra gélida, e o peso de sua barganha com ele
agora pressionava seu coração. Astar era um lembrete constante do preço que ela
pagaria por suas escolhas. O preço que, cedo ou tarde, seria cobrado.
Ao abrir os olhos, Kamária viu o rosto
de Astar se formar no reflexo da água, como uma imagem distorcida. Seu olhar
frio e enigmático, sempre a espreitando. Ela sentiu um calafrio subir por sua
espinha, e pela primeira vez, duvidou da força que sempre acreditou ter. Estaria
ela realmente preparada para enfrentar o que viria?
As águas estavam inquietas. Não apenas
o rio à sua frente, mas algo mais profundo, algo no próprio ciclo da natureza.
A cada ritual, Kamária sentia que a conexão entre ela e Innis se fortalecia,
mas também sabia que a deusa não a protegeria de tudo. Haveria um momento de
escolha, e ela sabia que não seria fácil.
O som de passos a tirou de seus
devaneios. Quando Kamária se virou, viu Peter se aproximando, seus olhos
prateados brilhando sob a luz da lua. Ele a observava com uma mistura de
curiosidade e preocupação.
— Está tudo bem, Kamária? — perguntou
ele, sua voz suave, mas carregada de significado.
Kamária assentiu, mas a dúvida ainda
pairava em seu olhar. Peter, mais do que ninguém, parecia entender a luta
interna que ela travava.
— As águas estão inquietas — ele
comentou, suas palavras ecoando o que Kamária já sentia. — O caminho à frente
será difícil. Tome cuidado.
Kamária olhou novamente para o rio,
suas águas agora mais calmas. Mas a sensação de inquietude permanecia.
— Eu sei — ela murmurou, quase para si
mesma.
Peter se afastou, deixando Kamária
sozinha mais uma vez. Ela suspirou, sua mente retornando a Giovanni. Ele estava
tentando, ela sabia disso. Ele queria ser parte de seu mundo, entender sua fé,
suas escolhas. Mas Kamária temia que isso pudesse não ser suficiente. Como ela
poderia conciliar as duas partes de si mesma? A guerreira que pertencia ao clã
e a mulher que amava Giovanni?
Ela sabia que o tempo para essa decisão
estava se esgotando. O maior desafio que enfrentaria não seria contra as feras
abissais ou os perigos físicos da jornada. O maior desafio estava dentro de si
mesma.
Kamária se levantou lentamente, seus
pés afundando levemente na lama à beira do rio. Ela olhou para o horizonte,
onde as águas e as estrelas se encontravam, sabendo que o destino estava se
aproximando. E quando chegasse a hora, teria que estar preparada para fazer sua
escolha, qualquer que fosse o preço.
Enquanto voltava para o acampamento, a
imagem de Astar ainda pairava em sua mente. Ele era a sombra que a perseguia, e
Kamária sabia que não poderia escapar dela por muito tempo. O rio carregava
suas respostas, mas também seus segredos.
A Aparição de Astar
No dia seguinte, conforme o grupo
avançava pelas terras sagradas de Innis, a paisagem tornou-se cada vez mais
hostil. A trilha serpenteava entre árvores ancestrais, cujas copas altas
bloqueavam a luz do sol, deixando o caminho banhado em uma penumbra
inquietante. O ar estava pesado, impregnado com o cheiro úmido da floresta, e a
presença palpável da magia de Innis parecia apertar o peito de Kamária a cada
passo que dava. Ela sentia a magia ao seu redor, não apenas como uma bênção,
mas também como um aviso, um lembrete de que o equilíbrio estava sendo testado.
Enquanto caminhavam ao longo do rio, o
som constante da água corrente trouxe uma estranha tranquilidade ao grupo. Mas
dentro de Kamária, uma batalha interna fervia. A tensão entre Giovanni e Bomani
era evidente, mas ela estava lutando com algo muito mais profundo: a barganha
com Astar. Cada passo que ela dava parecia levá-la mais perto de um destino que
ela não conseguia evitar, e a magia que preenchia o ar agora era um peso que
começava a sufocá-la.
Foi nesse momento que, sem aviso, uma
visão surgiu como um golpe gelado em sua mente.
Astar.
Sua presença a atingiu como uma rajada
de vento cortante, e Kamária parou bruscamente no caminho. A imagem de Astar
não era uma lembrança, nem um sonho. Ele estava ali, presente em sua mente com
uma força tão real que ela quase acreditou estar vendo-o na margem oposta do
rio. Seus olhos queimavam como brasas, perfurando-a com uma intensidade que a
fez estremecer. Era como se a própria sombra do mundo tivesse se concentrado
nele, moldando sua figura na escuridão profunda da floresta.
Astar não disse nada — ele nunca
precisava de palavras. Sua presença falava mais alto do que qualquer discurso,
e Kamária sentia o peso da barganha entre eles crescer como uma âncora ao redor
de seu pescoço. A conexão entre eles, forjada por escolhas passadas, agora a
puxava para um abismo invisível, um destino que ela sabia ser inevitável.
A imagem de Astar, imóvel e imponente,
era aterrorizante. Sua silhueta, envolta em sombras como um véu, emanava um
poder que a fazia sentir-se pequena, quase impotente. Ele a observava, seus
olhos a sondando como se pudesse ver até o fundo de sua alma, exigindo
pagamento por aquilo que lhe fora prometido.
Kamária tremeu. O frio que tomou seu
corpo era mais intenso do que qualquer brisa da floresta. Era um frio que vinha
de dentro, uma gelidez que se originava do medo que ela não conseguia mais
conter. A correnteza do rio à sua frente parecia imitar suas emoções, as águas
outrora tranquilas agora se agitavam, como se refletissem a tormenta que acontecia
dentro dela.
Giovanni, que caminhava ao seu lado,
notou sua súbita imobilidade e olhou na mesma direção que ela. Embora ele não
pudesse ver Astar, a mudança no ambiente foi imediata. O ar ao redor ficou mais
denso, mais sombrio. Giovanni não compreendia completamente o que estava
acontecendo, mas ele sabia que algo estava profundamente errado. Ele sentia a
magia ao seu redor mudar, e com isso, um instinto protetor emergiu dentro dele.
— Kamária, o que foi? — Giovanni
perguntou, sua voz carregada de preocupação, enquanto observava o rosto dela em
busca de respostas.
Kamária não respondeu imediatamente.
Ela estava congelada, ainda presa pela visão de Astar. As árvores ao seu redor
pareciam se inclinar em sua direção, como se a natureza estivesse respondendo à
presença do ser sombrio em sua mente. Os sussurros do vento ficaram mais altos,
repetindo o nome de Astar em um murmúrio incessante, como um aviso velado de
que o tempo estava se esgotando. Ela sabia o que isso significava: a barganha
estava chegando ao fim, e ele estava ali para cobrar.
Ela fechou os olhos por um instante,
tentando afastar a imagem dele, tentando retomar o controle de seus
pensamentos. Mas Astar era como uma sombra que, uma vez lançada, não poderia
ser desfeita. Seu olhar continuava preso na mente dela, como uma corrente
invisível, mantendo-a refém de suas próprias escolhas.
— Kamária... — Giovanni chamou
novamente, agora tocando levemente o braço dela, tentando trazê-la de volta à
realidade.
Kamária abriu os olhos, seus lábios entreabertos
como se quisesse dizer algo, mas a voz não saiu. Finalmente, ela forçou um
sorriso, um gesto pequeno e tenso, que não chegou a iluminar seus olhos
dourados.
— Estou bem — disse ela, a voz baixa e
controlada, mas Giovanni notou o tom hesitante.
Ele não estava convencido, mas não quis
pressioná-la. Sabia que Kamária carregava um fardo pesado, algo que ele não
entendia completamente, mas que, aos poucos, vinha à tona de formas que ele mal
conseguia prever. A escuridão ao redor parecia mais opressiva, e o vento
uivante entre as árvores aumentava a sensação de que algo estava se movendo nas
sombras.
Kamária continuou caminhando ao longo
do rio, mas o reflexo de Astar permaneceu com ela. Mesmo enquanto seguia em
frente, sua mente voltava para aquela figura, como se ele estivesse em cada
sombra, em cada suspiro de vento. Ele não estava fisicamente ali, ela sabia
disso, mas seu poder transcendia as fronteiras do espaço e do tempo. Ele era
uma ameaça constante, um lembrete de que suas escolhas tinham um preço, e esse
preço estava prestes a ser cobrado.
Cada passo que Kamária dava parecia
aproximá-la do destino que Astar lhe reservava. Ela olhou para o horizonte,
onde as águas do rio se encontravam com a floresta densa, e sentiu o peso da
incerteza esmagá-la. Ela sabia que o encontro final estava se aproximando — o
encontro com Astar, com sua barganha, com seu destino. E, quando esse momento
chegasse, ela teria que enfrentar as consequências de suas decisões.
Ao olhar para Giovanni, caminhando ao
seu lado, um sentimento de angústia tomou conta de seu coração. Ele estava
disposto a segui-la até os confins do mundo, mas Kamária sabia que o caminho
que se desenhava à frente poderia afastá-los para sempre. Giovanni não entendia
a profundidade da barganha que ela havia feito, não sabia do preço que estava
por vir. Ela queria protegê-lo, mantê-lo longe desse destino sombrio, mas ao
mesmo tempo, sentia que estava cada vez mais presa às correntes invisíveis de
Astar.
A noite estava caindo, e as sombras ao
redor deles cresciam. O grupo começava a montar o acampamento, mas Kamária
sabia que não teria descanso. A presença de Astar ainda queimava em sua mente,
como uma marca que não poderia ser apagada. E quando a escuridão finalmente
engolisse a floresta, ela sabia que seus medos e dúvidas viriam à tona.
Enquanto Giovanni ajudava os outros a
montar o acampamento, Kamária ficou à beira do rio por mais algum tempo, seus
olhos fixos na água. As águas de Innis eram sagradas, e ela buscava nelas algum
sinal, algum consolo. Mas tudo o que via era o reflexo de Astar, sombrio e
implacável, esperando pacientemente pelo momento de sua cobrança.
Kamária respirou fundo, sabendo que não
poderia adiar o inevitável. O tempo estava se esgotando, e o confronto com
Astar era inevitável. Ela só podia esperar que, quando chegasse a hora, ela
tivesse força suficiente para enfrentar o que quer que ele exigisse.
A noite avançava, e o acampamento
permanecia envolto em uma calmaria incomum. A fogueira crepitava suavemente,
lançando sombras ondulantes nas árvores, e o som da água corrente do rio
preenchia o ar com um ritmo constante. Giovanni e Kamária estavam sentados à
beira do rio, em um raro momento de intimidade. A tensão do dia, os rituais, e
o peso das escolhas de Kamária pareciam se dissolver temporariamente naquela
quietude, dando a Giovanni a coragem para finalmente falar o que vinha
guardando.
Ele se inclinou ligeiramente em direção
a Kamária, sua expressão carregada de hesitação e sinceridade. Seus olhos
encontraram os dela, que refletiam o brilho suave da lua. Giovanni sentia a
urgência de falar — de confessar o que havia dito a Korin, que estava com Teath
e Peter no acampamento, mas longe daquela cena. Ele sabia que não poderia adiar
por muito mais tempo.
— Kamária... — começou Giovanni, sua
voz carregada de um misto de dúvida e determinação. Ele estava prestes a
confessar algo profundo, a abrir seu coração.
Kamária, que até então estava relaxada,
virou-se lentamente para encará-lo, seus olhos dourados revelando uma mistura
de curiosidade e algo mais. Giovanni estava se aproximando dela, quase como se
estivesse tentando reduzir o espaço físico que sempre existira entre eles.
Mas antes que ele pudesse continuar, o
som de passos suaves cortou o ar da noite. A proximidade de outra presença
quebrou o momento delicado.
— Kamária? — Uma voz feminina soou, firme, mas cortês, fazendo Giovanni recuar
levemente. O momento que ele tanto desejava fora interrompido.
Kamária virou-se para ver quem havia se
aproximado. Uma mulher que ela reconhecia de momentos fugazes — Athina
Delphine. As duas mulheres haviam se cruzado brevemente na tempestade e, mais
marcante, quando Kamária emergira da água segurando a Flor de Innis. Ao lado de
Athina estava um homem alto e imponente, cuja presença irradiava tranquilidade
e força. Esse era Sol, o companheiro de Athina.
O som dos passos de Athina interrompe o
momento delicado entre Kamária e Giovanni. A tensão que havia se acumulado
entre eles, prestes a explodir em palavras sinceras, é substituída por uma súbita
mudança de ambiente. Giovanni solta a mão de Kamária, seus dedos ainda sentindo
o resquício do toque, e se afasta alguns centímetros, sua postura tornando-se
novamente cautelosa e reservada. Ele sente o olhar de Athina sobre eles, uma
presença silenciosa, mas que carrega consigo uma curiosidade inconfundível.
— Athina — Kamária disse calmamente,
mas sua postura mudou sutilmente, de alguém relaxado para uma mulher que sabia
que uma conversa importante estava por vir.
Giovanni, por sua vez, observava em
silêncio. Ele reconheceu a intensidade da mulher que agora estava diante de
Kamária. Athina não parecia estar ali por coincidência.
Athina parou a alguns passos deles,
lançando um olhar curioso para a proximidade entre Kamária e Giovanni. Era
evidente que havia algo não dito entre os dois, algo que Athina parecia intuir,
mesmo sem conhecê-los bem.
— Não quis interromper, mas achei que
talvez fosse um bom momento para conversarmos — disse Athina, sua voz suave,
mas carregada de significado. Kamária assentiu levemente, convidando-a a
continuar. — Ouvi dizer que você, Kamária, encontrou um caminho inesperado ao
lado de um humano.
Kamária manteve a calma, mas dentro de
si, ela sabia que essa conversa tinha um peso maior. Athina era uma Innisiana
de importância e, mais ainda, uma futura líder do Clã da Lua Cheia. Kamária não
sabia muito sobre ela, mas a percepção e a força que ela emanava eram
inegáveis.
— Giovanni e eu... — Kamária começou,
buscando as palavras certas. Ela sabia que explicar o vínculo que tinha com ele
para outra Innisiana seria complexo. — Temos uma conexão. Algo que vai além das
tradições.
Athina observou os dois em silêncio por
um momento, seus olhos avaliando a situação. Havia um brilho de curiosidade e
compreensão em seu olhar.
— Eu entendo — disse Athina suavemente,
com uma leve inclinação de cabeça. — Sol e eu também trilhamos um caminho
semelhante. — Ela olhou para o homem ao seu lado, e Giovanni sentiu a
profundidade silenciosa entre eles. Sol, claramente um humano, sustentava um olhar
firme e respeitoso, algo que Giovanni reconhecia e admirava. — Sol não é
Innisiano, mas nossa ligação é tão real quanto qualquer outra.
Kamária ficou surpresa por um momento,
percebendo que não estava sozinha nesse caminho. Havia outros como ela, outras
uniões que desafiavam as tradições rígidas dos Innisianos.
— Você também? — perguntou Kamária, sua
voz suave, mas cheia de surpresa. Ela olhou para Athina, tentando entender o
que aquilo significava.
— Sim, e sei que para muitos de nós
isso é difícil de aceitar — Athina respondeu, seus olhos fixos nos de Kamária.
— Mas o que compartilhamos com vocês, humanos ou não, é sagrado. Não é algo que
o clã entenderá facilmente, mas há espaço para esses laços.
Giovanni sentiu uma pontada de alívio
ao ouvir aquilo. A ideia de que ele e Kamária não estavam sozinhos nessa
jornada era confortante. Ele olhou para Kamária, que parecia estar absorvendo
as palavras de Athina com uma mistura de alívio e cautela.
— E como o clã da Lua Cheia lida com
isso? — perguntou Kamária, um pouco mais formal agora. Ela sabia que, como uma
Innisiana que havia rompido as tradições, essa questão seria inevitável em seu
futuro.
Athina suspirou suavemente, olhando
para Sol antes de responder.
— Não é fácil — ela admitiu, com um
leve sorriso que não alcançou totalmente os olhos. — Estamos abrindo um caminho
novo, e isso sempre encontra resistência. Mas eu acredito que a deusa Innis vê
esses laços com outros olhos. Ela nos dá a vida e o amor. Não devemos
questionar a forma que ele assume.
Kamária permaneceu em silêncio por um
momento, refletindo sobre o que Athina havia dito. Ela sabia que seu próprio
caminho era cheio de dúvidas e incertezas, mas a presença de Athina e Sol, e o
exemplo que eles representavam, acendeu uma pequena chama de esperança em seu
coração. Talvez, afinal, houvesse espaço para ela e Giovanni no mundo dos
Innisianos.
Athina deu um passo à frente, a
expressão suave em seu rosto revelando empatia.
— Kamária, eu sei que não nos
conhecemos bem, mas vi algo em você naquele dia da tempestade. Você tem uma
força única. Não apenas por ter sobrevivido, mas pela escolha que fez de salvar
tantas vidas. — Athina olhou brevemente para Giovanni, como se reconhecesse
algo similar em sua jornada. — Não precisamos estar sozinhos nessa luta.
Podemos construir algo novo, mesmo que o caminho seja difícil.
Kamária assentiu, reconhecendo a
sabedoria nas palavras de Athina. Ela sabia que o caminho que trilhava com
Giovanni não seria fácil, mas talvez não estivesse tão sozinha quanto imaginara.
Athina e Sol se despediram em seguida,
deixando o acampamento em paz novamente. O clima entre Kamária e Giovanni havia
mudado — não era mais apenas uma conexão frágil, mas algo com raízes mais
profundas, algo que poderia sobreviver aos desafios que ainda viriam.
Após
a saída de Athina e Sol, o silêncio que se instala entre Giovanni e Kamária é
carregado de significado. Eles agora sabem que não estão sozinhos em sua
jornada, mas também compreendem que os desafios que enfrentam ainda não
terminaram. Giovanni segura a mão de Kamária novamente, desta vez com mais
firmeza, como se tentasse transmitir sua determinação.
—
O que temos é importante para mim, Kamária — ele diz, sua voz carregada de
emoção. — Eu não entendo tudo... mas quero estar ao seu lado, seja qual for o
caminho à nossa frente.
Kamária
o olha nos olhos, um sorriso pequeno, mas genuíno, se formando em seus lábios.
Ela sente que, apesar das barreiras que ainda existem, Giovanni está tentando
de verdade. Mas o peso da barganha com Astar ainda paira sobre ela, uma sombra
que nem o mais sincero dos sentimentos pode dissipar. A imagem de Astar em sua
mente continua, como um lembrete silencioso de que o tempo está se esgotando.
—
Eu sei, Giovanni. E eu também quero isso. — Kamária diz, mas sua voz carrega
uma melancolia que Giovanni não pode ignorar.
Mesmo naquele momento de reconciliação, há uma tensão subjacente que sugere que algo maior está por vir. Ambos sabem, embora não verbalizem, que Astar e o futuro sombrio que ele representa ainda os aguardam. O sentimento de paz é temporário, e, por mais que eles queiram acreditar que podem enfrentar qualquer desafio juntos, o peso do que está por vir paira sobre eles, como nuvens antes de uma tempestade.
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